quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Máquina do tempo


 

Certa vez em uma aula da minha especialização, um professor lançou a seguinte pergunta:

"Vocês acreditam que é possível mudar o passado?"

Em um primeiro momento considerei que não.

Pensei: impossível que passado mude!

Acreditava que ele já havia marcado toda nossa vivência e determinado o que somos.

Mas na visão deste eu professor, o passado podia sim ser mudado.

Segundo ele, a psicoterapia proporciona uma mudança no ângulo que vemos o passado e isso pode ser determinante para que o passado mude.

Podemos fazer isso compreendendo de forma generosa erros cometidos, falhas alheias ou mesmo as nossas.

Durante a psicoterapia podemos olhar de outra forma coisas que vivenciamos dando outra compreensão ao que se passou.

Meu professor citou como exemplo que alguns podem reclamar que seus pais erraram com sua educação quando eram crianças, mas que pode haver formas de se pensar em tal fato.

A primeira vista se revoltar e brigar (mesmo que simbolicamente) com os pais da infância, mas também pode-se pensar que estes pais tiveram motivos próprios para agir dessa forma.

A maneira e o nível de maturidade que se consegue enxergar um acontecimento qualquer do passado, pode mudar a compreensão dos fatos vividos.

Uma vez Sartre ao criticar a psicanálise, dando um tom mais existencialista a nossa vida disse:

"Não importa o que fizeram de você, mas o que você faz disso."

Cabe a cada um refletir, repensar e se apaziguar com seu passado, tirar proveito, aprender com ele e se tornar protagonista de sua história.

Se ressentir ou compreender.

A escolha é pessoal.


 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Um coração fraco


Assisti uma peça de teatro escrita pelo brasileiro Domingos Oliveira, Um coração fraco, baseada no texto do autor russo Fiodor Dostoiévski, A felicidade. Nela o autor conta a estória de Vassia, um jovem muito humilde, que mora com seu amigo e encontra o amor de sua vida: uma bela jovem de quem fica noivo.
Tudo ocorre bem no relacionamento e planos de futuro, a jovem também está apaixonada e sua mãe viúva apóia o casamento.
No decorrer da peça, muitas vezes o protagonista se pergunta se é merecedor de tal felicidade e pensa constantemente na jovem.Porém ele tinha um longo trabalho para entregar antes do casamento, mas não consegue executar a tarefa , no final sente-se muito culpado por isso e adoece a ponto de enlouquecer e não se casa.
O estranhamento a primeira vista na peça é que tudo isso ocorre exatamente na fase mais produtiva de sua vida, na fase em que deveria estar mais contente e realizado, e no entanto, o rapaz fracassa.
Aparentemente Vassia não tinha porque se sentir tão culpado e fracassar, mas existem comportamentos inexplicáveis à primeira vista.
Algumas pessoas não conseguem lidar com a própria felicidade, esta se torna insuportável de ser vivida e por fim acabam sabotando-a.
Nessa peça isso acontece de modo mais eloqüente e intenso, mas pode acontecer nas formas mais sutis em nossas vidas.
Apesar de parece contraditório e impossível inconscientemente pode ter um sentido.
Sabotamos nossa felicidade por medo de enfrentar as angústias e lutas que elas podem trazer, escolhendo um caminho sem riscos e previsível.
Como na peça, Vassia ao ver-se diante de tanta felicidade, se assusta e não consegue consumar seu casamento e ir adiante com uma vida feliz, isso o enlouquece. Não acha que conseguiria enfrentar e lutar por sua felicidade, por acreditar não ter condições de ser um homem que poderia "dar conta" de ter uma vida perfeita.
A fantasia de não falhar e da perfeição também pode ser paralisante e diante do medo de fracassar, podemos nos retirar da luta.
Com a idealização de um caminho sem tropeços, faz com que medo se sobreponha a qualquer luta.
Todo caminho é feito com tropeços e erros, mas alguns preferem desistir antes de tentar.Outra forma de sabotar a felicidade inconscientemente é pela culpa, ou seja, a pessoa pode acreditar que não merece usufruir a felicidade e a destrói antes que ela se realize.
A culpa muitas vezes vem de uma educação cristã, que acredita que não estamos na terra para termos prazer e felicidade, mas para sermos mártires, que após a morte terá direito ao paraíso.
Nos dois casos, a sabotagem é algo sério, causa de muitas neuroses e doenças psíquicas que impossibilitam os seres de usufruir de uma vida com qualidade.
Escolher o caminho da felicidade muitas vezes pode parecer um ato de egoísmo em nossa sociedade, mas algumas vezes é um ato de coragem e enfrentamento de muitos preconceitos e conceitos idealizados.

domingo, 27 de novembro de 2011

Desmame

Outro dia em uma reunião familiar, observei uma mãe a fazendo o desmame de seu pequenino. O bebê aflito, rejeitava todas as formas e os tipos de leite que lhe era oferecido e desesperadamente queria muito o leite materno.

Chorava pelo colo da mãe, onde encontraria sua fonte de prazer e saciedade, o seio que ainda estava cheio de leite e a mãe apesar de preocupada, procurava sair de seu campo de visão.

Outras tias tentavam acalentá-lo oferecendo a mamadeira e outros tipo de leite, o que ele rejeitava veementemente.

Interessante observar que algumas pessoas sofriam junto com o bebê, apesar de saber da necessidade materna de iniciar o desmame, outras acreditavam que era cedo ainda para colocá-lo à prova.

Enfim, todos ao entorno, apesar de saber da necessidade do desmame, se identificavam com o desespero do bebê, talvez essa identificação se deve ao fato de que todos nós já fomos "desmamados".

Observando aquela cena, pensei o quanto aquela prova de fogo seria importante e quem sabe até determinante para que este bebê possa lidar com os limites que a vida oferece.

Provavelmente este será um dos primeiros aprendizados sobre a mais importante das regras para se estar no mundo: a de que seu desejo de satisfação nem sempre será atendido.

Em psicanálise, chamamos de princípio do prazer e princípio da realidade.

No princípio do prazer nosso desejo é sempre atendido prontamente, sem dor ou sofrimento, no da realidade é que nem sempre podemos ter aquilo que desejamos.

Para a fantasia do bebê, a mãe e seu seio cheio de leite estará a sua disposição por toda a vida, quando ele se dá conta que esta satisfação não ocorre, ele tem um dos primeiros contatos com o princípio da realidade.

Simbolicamente isso quer dizer que a satisfação terá de ser postergada ou mesmo abdicada.

Quais as conseqüências pra a vida posterior?

Que deveremos e podemos suportar a dor, a insatisfação ou mesmo postergá-la em alguns momentos.

E inclusive que podemos passar por alguns sofrimentos no presente para depois usufruir isso em um futuro próximo.

Muitas pessoas sofrem por não conseguirem lidar com a insatisfação, como a perda, o luto e outras dificuldades inerentes à vida buscam outras vias de satisfação imediata de diferentes formas.

A ansiedade e a angústia podem ser tão aflitivas, que precisam algo imediato que as acalme.

Algumas outras conseguem se resignar e acolher a dor ou transformá-las em formas produtivas de trabalho, arte e afeto.

Sempre aprenderemos a lidar com a dor e o sofrimento, amadurecendo e verificando que nosso desejo não é o único, que não somos o centro do mundo, mas que porém também não estamos sozinhos no mundo.

Lidar com a angústia para alguns é um aprendizado que começa cedo, e como disse o desmame é apenas um deles, mas também um dos mais difíceis, até mesmo pra quem o presencia de fato.

sábado, 26 de novembro de 2011

Adolescente, a rebeldia e o grupo


 

Trabalhei em um projeto social de adolescentes e constantemente fazia palestras para pais.

Eu sempre falava que psicóloga de adolescente é muito odiada, porque sinceramente para mim, adolescente normal é adolescente rebelde.

É considerado fato, que nessa fase o adolescente se rebele, não aceite regras.

Eu já atendi um adolescente apático que não se rebelava, aceitava tudo, (ou quase tudo) e posso dizer: ele tinhas sérios problemas.Mesmo assim ele era "bonzinho" até onde dava, o que me dava certo alívio, porque considerei que algo ainda estava preservado.

Então se seu adolescente está cumprindo uma fase normal, ele está sendo pelo menos um poucodifícil, não tem jeito.

Mas tem um porquê nisso tudo, não é uma rebeldia sem causa.

O adolescente está passando por transformações, está mudando, virando adulto e principalmente está elaborando o luto infantil.

Dentro dele há angústias, medos, conflitos.

Alguns não deixam isso transparecer, não conseguem demonstrar sua face rebelde, isso pode ser problemático.

Porém como já havia citado anteriormente, não estou incentivando que sejamos passivos e permissivos, é importante que nessa rebeldia seja colocada regras, o paradoxo é que os adolescentes precisam disso também.

Uma questão que sempre deixam os pais atônitos é o fato do pré-adolescente e adolescente não querer o convívio com a família, como antes.

O grupo para o adolescente tem várias funções.

Uma das mais lógicas e que talvez faça mais sentido, é que enquanto ser que está formando a mente para se tornar um adulto e principalmente o corpo que se transforma para a reprodução sexual o jovem precisa ensaiar para buscar seus parceiros.

Agora me diz isso pode ser feito no âmbito familiar?

O adolescente está se tornando adulto, não é normal que ele queira estar em um grupo onde possa fazer estas escolhas?

Ele pode fazer isso ficando em casa? Não, né?

Outro fato importante é que muitas vezes os pais ainda não conseguem entender, é que no grupo existe um acolhimento para a rebeldia, no grupo encontra seus pares, que estão passando pelos mesmos conflitos e problemas, convive com sua geração, o grupo o ampara.

Os pais também devem ser amigos dos filhos, mas pais são amigos de outra ordem.

É interessante que não só amigos apenas façam parte da construção dessa fase, pais podem deixar sempre um canal de comunicação aberto.

Outro paradoxo, talvez um tanto difícil de cumprir é que é os pais não sejam tãorígidos com os adolescentes, senão eles não se sentem tão a vontade para contar tudo que fazem, e isso faz com que os "conselhos" venham sempre de fora.

E como disse o filósofo grego Aristóteles: "A virtude está no meio termo."

Nem tão rígido ao ponto de nunca se sentirem a vontade de contar algo, mas nem tão liberal que não consiga colocar nenhuma regra ou valor.

Ou como aquela velha estória:

É como fritar peixe de olho no gato.

Um olho alí e outro acolá.

Dê a liberdade dentro de suas possibilidades e padrões morais religiosos, mas com vigilância sempre.

Educar um adolescente é ter a suportabilidade de ser odiado no presentee ser amado futuramente.

sábado, 19 de novembro de 2011

Adolescentes


Outro dia um amigo ficou surpreso quando eu disse que adoro atender adolescentes.


Eu adoro, porque foi uma área de especialização clínica que escolhi, entendi e isso também facilita meu trabalho.
Entender toda a dinâmica do adolescente é importante para todos, porque ajuda muito a diluir essa grande implicância que temos dessa fase que muitos chamam de "aborrecência".
Pode ser aborrecido quando você não entende.
Vou tentar explicar algumas coisas que sei e me ajuda, talvez ajude também outras pessoas.
Claro que cada adolescente tem sua vivência e realidade, mas existem experiências que são inerente a todos os seres humanos, assim como o Complexo de Édipo, ninguém consegue fugir.
Uma das características mais importantes e que sempre é igual a todos os adolescentes, é o que chamamos de luto melancólico.


Este luto, diz respeito a diversos fatores:
- abandono do corpo infantil;
- perda dos pais da infância;
- perda da própria infância
Talvez muitos não reparem, mas os adolescentes sofrem muito com estas perdas.
Abandonar a situação infantil, implica deixar de ser protegido, ter que se dar conta de suas escolhas e principalmente entrar no mundo adulto.
Só o fato de ter que entrar no mundo adulto, com todas as responsabilidades já é por si um fardo assustador, e pode ser muito mais difícil para quem vivia em um mundo totalmente protegido.
O corpo antes infantil, vai se transformando ao poucos e essa fase metamórfica muitas vezes é rápida e estranha, efeito da mudança hormonal algumas vezes agressivas.
O pensamento também começa a mudar, ele dá um pulo qualitativo, antes o pensamento que era concreto, vai se refinando, isso estimula o lado rebelde e questionador dessa fase.


Não é pouca coisa, não?
O fato mais dramático é que o adolescente está nesse meio caminho, acabou de deixar de ser criança, não é um adulto independente, tem alguns deveres e poucos direitos, ou seja, é cobrado como adulto, mas ainda para algumas situações são tratados como crianças.
Inconscientemente sabe o que o espera, está fascinado com todas as possibilidades à frente, mas muitas vezes pode estar assustado e angustiado.
Apoiar, entender e respeitar essa fase é importante.
Isso não quer dizer que devemos ficar passivos a toda agressividade e testes de limites, não estou dizendo que estas dificuldades dão algum "habeas corpus" para transgressões e falta de limites e respeito, muito pelo contrário, é também nessa fase que muitos "nãos" merecem e devem ser ditos, tanto para protegê-los de alguma confusão, como também para ainda educá-los de seus limites.
Aliás ser pai,mãe, professor ou cuidador de adolescente, é se especializar na arte de suportar ser odiado, porém não podemos nos esquecer que muitas vezes as agressões dos adolescente são formas de se "desprender" dos pais infantis, mas cabe aos pais se manterem inteiros para saber dizer não quando for necessário e saudável.
















sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Senhoras em abrigo 2


Depois que escrevi sobre minhas impressões sobre ter encontrado senhoras em abrigos no meu facebook, algumas pessoas curtiram, outras comentaram.
Mas neste final de semana , encontrei 2 dessas amigas em uma festa e o assunto veio a tona de novo.
Outras coisas não citadas anteriormente foram outras indagações que surgiram depois disso.
Minha filha me perguntou:
"Mãe, e a família dessas senhoras?
A realidade é que estas mulheres vieram de outras regiões do Brasil e muito cedo foram trabalhar para garantir seu sustento ou de seus familiares, ficaram durante muito tempo morando na casa de outras pessoas, com um salário pequeno.
O tempo deve ter passado e elas perderam seus vínculos familiares.
O resgate deste vínculo deve ser difícil, já que estas famílias estão distanciadas afetivamente e também passam por dificuldades financeiras.
Porém, já adianto que os funcionários desse abrigo fazem este trabalho.
Outra questão que me veio em mente, foi:
O INSS tem aposentadoria especial para trabalhadores de certas categorias, professores e trabalhadores rurais que se aposentam mais cedo, pelo fato de suas atribuições serem "pesadas".
Uma doméstica também tem um trabalho braçal que as desgasta profundamente, deveriam ter uma aposentadoria especial.
Este será um projeto que levarei adiante junto com outras pessoas, queremos conhecer a realidade dessas senhoras, propor "saídas", mas principalmente mostrar para sociedade este buraco, onde as políticas públicas falharam e produziram mais um injustiça social em nosso país de tantas diferenças.

 


 

Senhoras em abrigo

Esta semana fui convidada para fazer uma vivência em um albergue da prefeitura para mulheres.

Fiz uma roda de conversa e ali a maioria das mulheres que procuram este serviço, trabalharam como domésticas em casa de famílias.

É triste e preocupante perceber esta realidade.

Estas senhoras entre 55 e 58 anos (aparentam bem mais) estão abandonadas à própria sorte, sem assistência, sem saúde, sem sua força de trabalho.

Ainda não tem direito a aposentadoria compulsória do INSS, pq ainda não tem idade pra isso, mas não tem mais saúde para fazer o que sempre fizeram.

Relataram suas dificuldades, o qto algumas vezes se sentiram humilhadas, que sempre moravam nas casas das pessoas que serviram, porém na sua ingenuidade não contribuíram financeiramente para seu futuro

Isso me fez pensar que a época da escravidão parece ainda não ter acabado no Brasil.